11 de mar. de 2011

Estou aqui



Para Fran - minha amiga, minha irmã


Amiga,

Estou aqui tentando entender por que é que essas coisas acontecem...
Eu lembro de quando a gente era nova, sentada na calçada falando da vida. Quem diria que a vida iria maltratar vocês assim... a gente era tão feliz.
Nós fomos criadas com tanto amor, com tanto cuidado, mas alguma coisa deu errado para eles e eu não sei dizer o que.
Algumas pessoas sabem lidar melhor que as outras com as perdas, com os nãos, com as dores.
A gente era tão imatura... encarou tudo do jeito que deu... e deu. Olha a gente aqui para provar. Mas para eles alguma coisa não se encaixou diante da doença da sua mãe, do abandono do seu pai, da ausência do que antes era fartura.
Por que é que a gente não percebeu que as coisas iriam acabar assim? Acho que é porque, embora tenham cometidos erros graves, eles são como a gente, são seu sangue. Não dá para acreditar que alguém entre nós terá coragem de libertar seu monstro interior.
Já vi muitas brigas de vocês, já vi ele com o pé quebrado, ela com o rosto cheio de pontos, já vi o desespero da sua mãe, já vi as reclamações de todos, mas não estava preparada para ver o desenrolar dessa história.
Em toda a minha vida, nunca estive tão próxima de uma situação como essa. É coisa de televisão. E lá, na tela, quando via, achava um absurdo as pessoas se preocuparem com quem cometeu o crime, quando quem estava sofrendo era a família da vítima. Eu sinto pena deles. Sei que eles podem ser bons, como foram antes desse pesadelo começar. Hoje descobri que não existe culpados. Todos somos vítimas. Vítimas das injustiças da vida que nos conduzem por caminhos que nem sempre são os melhores para nós. Quando foi que tudo começou, amiga? A gente era tão jovem para se dar conta de quão fundo o poço poderia ser... Eu não entendo... ela e ele tiveram as mesmas chances que você. Por quê?
De repente eles começaram a levar uma vida tão obscura que era demais para nossa imaginação. Eu dei aula pra eles de verdade, lembra? Você deu aula de mentirinha na escolinha que você montou na antiga casa da sua vó... parece que eles não aprenderam nada...
O que sua mãe fez para merecer ver os filhos padecerem dessa forma?
Apesar das estatísticas e dos exemplos diários de que pessoas que comentem crimes dificilmente se regeneram, não quero acreditar que para eles acabou. Talvez agora, cada um em sua cela, possam lembrar das tardes que a gente brincava e que eles eram "café com leite". Ela ainda tem o mesmo sorriso, amiga...
Todo caminho tem volta? Eu não sei.. eles é que vão poder nos dizer.
Talvez eles tivessem que passar por isso. De alguma forma a vida foi tecendo cada detalhe para que tudo isso acontecesse. Eu lembro da gente tentando ser feliz com todos os poréns. Eu lembro da gente na caminhonete, lembro de quando eles viraram adultos antes de nós, que somos mais velhas.
Queria voltar no tempo, amiga. Queria que sua mãe nunca tivesse ficado doente, que seus irmãos não tivessem deixado a escola, que você tivesse menos responsabilidades tão jovem. Queria ter presenciado outra história...
Sua irmã teve um filho antes de nós, amiga. As coisas para eles sempre foram precoces, até a dor. A gente nunca entendeu porque para os dois as fatalidades pesaram tanto. Mas a gente sabe que não é fácil ter os armários vazios, a casa vazia e o peito cheio cheio de tormenta.
Não sei se foram as amizades, se fomos nós, se foram as drogas, só sei que desde muito cedo eles se enveredaram por caminhos tão difíceis que a gente não tinha coragem de percorrer para ir buscá-los. Talvez nem adiantasse... porque o que tem de ser, tem força.
Hoje vocês estão vivendo o outro lado, amiga e pela nossa proximidade também estou vivendo um pouco. E quanto aos dois... eram crianças quando tudo começou. Quando essa história começou a ser contada, eles mal sabiam ler. Hoje eles são mais vividos que nós e trazem o peso de seus crimes nas mãos. Olha isso, amiga: crime. Que pesado.. a gente não imaginava...
Acho que aqui não existe culpados. Não é o seu pai, o fato de sua mãe não ter podido ser mais presente, ou você...
E depois de tudo, ela ainda tem o mesmo sorriso... Que Deus esteja com vocês, com eles e com todas as famílias que passam pelo mesmo problema.

PS: A e A são um casal de gêmeos que cresceram comigo, são parte da minha família. Cedo demais eles experimentaram muitas perdas e para fugir do peso delas experimentaram as drogas. Hoje, com 19 anos, ele está preso por tráfico, depois de já ter esfaqueado uma pessoa, e ela acaba de ser presa por participar do assassinato de um traficante.


Sabrina Davanzo

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