24 de abr. de 2009

Sombras



Ele é desses sujeitinhos que sempre andam com os nervos expostos à flor da pele. Flor essa que é feita de espinhos e folhas murchas.
Briga com o trocador do ônibus. Reclama com a atendente da padaria. Discute com o vizinho de frente. Não dá um centavo para o pedinte. Sua casa, assim como sua alma, é vazia e tem a escuridão de sete palmos abaixo do chão.
O dono da banca da esquina o conhece bem e conta que a última vez que ele sorriu foi há muito tempo, ao despedir-se de sua senhora à porta de casa, quando essa saía para o trabalho. A mulher nunca mais voltou. Nem o sorriso dele.
Quem o vê julga-o mesquinho, resmunguento, mal humorado. O que ele tem mesmo é um imenso amor reprimido. Um desespero entalado na garganta. um deserto no lugar do coração.
Ele não sabe lidar com o amor que já se fez presente e hoje não mais está.

Sabrina Davanzo


21 de abr. de 2009

Obstáculo



No meio do caminho, havia uma poça d’água. Como chegar do outro lado sem passar por ela? Como passar por ela sem se molhar? E se sua perninha pequena não desse conta de ultrapassar a poça? Talvez fosse possível resolver de outro jeito. Teria mesmo que encharcar os sapatos tão confortáveis? Adiou até a noite chegar. Por fim, decidiu voltar e pegar outro caminho, sem imprevistos. Por falta de coragem, escolheu não enfrentar. Pegando um atalho, optou por não seguir em frente. “Ainda não estou pronta para o salto” pensou. E então, começou tudo de novo sem saber aonde a estrada que deixou para trás a iria levar.

Sabrina Davanzo 

14 de abr. de 2009

Decreto

E fica estabelecido que, a partir de hoje, a vida de todo indivíduo será como um campo de margarida florido.

Sabrina Davanzo

12 de abr. de 2009

Visita a casa velha

Para Fran, minha amiga de infância

Diante da casa velha e decrépita, das paredes desbotadas de emoções passadas, percebo o tanto que o tempo passou. Cortaram, primeiro o galho, e depois a àrvore toda, onde pendurei minhas pernas finas e meus sonhos de menina.
A rua, que antes parecia tão colorida e cheia de vida, a rua que antes era o meu mundo, hoje é só uma rua qualquer, com seus velho moradores. Mudaram todos. Não de casa, não de lugar. Mudaram suas fisionomia, mudaram seus modos de pensar. Envelhecem a cada carro que sobe e desce a rua que era o meu mundo. De alguns fica uma vaga lembrança do rosto de criança. Notícias de longe contam que estão bem.
E eu que achava que uma árvore deveria durar para sempre. Onde foi parar a corda que pulei? A pedra que risquei o chão para demarcar meu território na brincadeira inocente?
O tempo levou tudo embora. E a cada vez que volto, percebo que levou mais alguma coisa consigo. Desta vez foi a tintura do portão da frente e a solterisse da minha melhor amiga. Quem diria... a menina que se pendurava comigo nos muros e galhos, hoje pendura-se no pescoço do seu marido.

Sabrina Davanzo

7 de abr. de 2009

Felicidade

Mar de rosas, com ondas gigantes, que invade e inunda toda a cidade que vive dentro da gente.

Sabrina Davanzo

6 de abr. de 2009

Percepção


Sinto que sou frágil. Meu temperamento está ligado às situações que estão diante de mim.
Meus olhos... Ah, os meus olhos... como me enganam. Fazem com que eu enxergue coisas onde não têm. Transformam um sopro em vendaval. Minhas mãos me traem agarrando-se em algo que já não faz sentido.
Sou toda pavor. Gato arisco. Queixumes. Até na risada escancarada percebo fantasmas. Meu coração já caducou. Não sabe mais falar por si só. Está sempre pedindo conselhos.
Percebo o mundo através de uma redoma de vidro. Saio de vez em quando só para constatar que aqui dentro é mais seguro.


Sabrina Davanzo

5 de abr. de 2009

Companhia



Todos os dias passava em frente ao armarinho da esquina e admirava a vitrine. Do outro lado do vidro, um cãozinho de pelúcia, encardido pelo tempo de exposição, exibia uma plaquinha no pescoço: Sou seu melhor amigo. 
Ele andava se sentindo tão só que acabou não resistindo, comprou o bichinho.  O problema é que, quando ele chega em casa, o cão não faz festinha, não abana o rabo. Quando ele sai, não fica triste, não sente sua falta. Mas para ele não importa. Aquela plaquinha no pescoço já diz tudo. Ele agora tem uma companhia, isso basta. Ele bem sabe que um amigo não tem que ser perfeito. 

Sabrina Davanzo



3 de abr. de 2009

Sobre a lágrima

Gotinha de sal que tempera a dor e, às vezes, a alegria.

Sabrina Davanzo