4 de jun. de 2019
"Humano, demasiado humano..."
A sombra, mais que a luz, me assusta.
A luz é natural. A luz é divina, ainda que seja um grão de poeira reluzente visto pela fresta de um quarto escuro.
Mas a sombra.... ah! Essa é desconhecida. Pode ser enorme, me engolir inteira enquanto debocha de mim.
Eu tenho lidado muito com a sombra nestes últimos tempos. Tenho aprendido que ela é resiliente, paciente e atravessa as paredes mais duras que criamos para detê-la.
Outra grande descoberta que fiz é que todo mundo, to-do-mun-do tem uma sombra.
Esse lado obscuro não é exclusividade minha e isso me torna tão humana que nem sei.
Eu sou como você. Meus medos me consomem, minha insegurança salta à vista, minha fraqueza usa muletas. Será que um dia essa sombra passará e o sol brilhará de novo? Ou para sempre terei essa nuvem carregada dentro de mim? Na dúvida, acredito nas frestas. Nesses microcosmos de luz que atravessam a escuridão para provar que sempre existe o outro lado, que nem tudo é o que parece. Essa pequena divindade que habita em mim saúda a divindade que habita em você, por menor que ela seja.
Sejamos luz e sombra, pois é da nossa natureza e está tudo bem. Tudo vai ficar bem.
Sabrina Davanzo
Ilustração: Mônica Crema
Mantra
Acreditar. Ser grata. Respira. Seguir em frente. Isso passa.
Ser grata.
Acreditar.
Enquanto digito esse texto, estou em minha casa confortável,
o Nino, meu cachorro, está deitado no sofá e eu tenho um amor que está longe
falando comigo no whatsApp. Está tudo bem. Não há o que temer.
Respira.
O que pode estar errado? É por dentro? Não há nada fora do
lugar do lado de fora. Nenhuma meia está jogada pela casa, a cortina está
milimetricamente afastada uma da outra, o tapete centralizado entre os
quadrantes do piso. Mas o que pode ser esse incômodo? Suponho que seja a vida.
Por si só, ela belisca, ela cutuca só para mostrar que a qualquer momento tudo
pode mudar.
Ser grata.
Porque eu só tenho o hoje. Mais especificamente o agora. É nesse
momento que tudo está acontecendo que posso fazer o meu melhor, que posso me
aceitar como sou e amar tudo e todos que tenho ao meu redor.
Seguir em frente.
Haja o que houver, não dá para ficar lamentando para sempre.
A vida flui, a fila segue, as coisas chegam até nós quer a gente goste ou não.
Da mesma forma, elas vão embora e isso é o que faz o universo ser tão mágico.
Isso passa.
Sempre. Pode demorar o tempo que for, mas tudo se esvai.
Curtir a viagem enquanto ainda se está no ônibus é uma boa forma de começar a
história. Quem irá dizer onde a viagem termina? Quando chegará a hora de mudar
de vagão?
Ser grata.
Por tudo. Por nada. Pelo que se tem e pelo que não se tem.
Amém.
Esse é o mantra. Não esquecer e repetir.
Sabrina Davanzo
Ilustração: Mônica Crema
11 de dez. de 2017
Sobre um transtorno (a) temporal
Uma tempestade se aproxima e eu me vejo completamente
desprevenida.
Não há guarda-chuva, capa, marquise, só a minha pele
assustada e cansada.
Eu quero me abrigar em casa... que casa?
Eu quero sair daqui... para onde?
Eu preciso segurar a tua mão... cadê?
Na tempestade, todos os lugares parecem seguros e inalcançáveis
demais para quem está de fora.
Parece errado correr pelas ruas pedindo que abram suas portas perfeitas, intactas e protegidas para me receber. É como se eu admitisse aos gritos no meio da rua: EU NÃO ESTOU PREPARADA!
Parece errado correr pelas ruas pedindo que abram suas portas perfeitas, intactas e protegidas para me receber. É como se eu admitisse aos gritos no meio da rua: EU NÃO ESTOU PREPARADA!
As gotas de água caem rasgando minhas emoções, o vento dói e não há nada a fazer além de observá-lo levar todas as minhas certezas,
descabelar minhas idéias. Meus pensamentos se assemelham a uma verdadeira
tormenta.
Já não sei mais o que é real. Estaria aquele raio prestes a
cair bem em cima da minha cabeça? (por favor...)
As pesadas gotas de chuva turvam minha visão, encharcam
minha confiança.
Das janelas embaçadas, as pessoas protegidas nem imaginam o
caos que se faz aqui dentro e nem quantos destroços terão que ser dolorosamente
removidos quando tudo acabar. Ninguém percebe o meu sinal de alerta.
A força da minha natureza - que eu desconheço, que me
assusta - só eu devo enfrentar.
Meu corpo oferece alguns indícios de sobrevivência: a respiração se torna
ofegante, a cabeça dói, o estômago se retorce, as pernas perdem a força, os
joelhos se recusam a mover.
Eu não sei lidar com dias nublados... Não aceito meus pés se
molharem nesse lamaçal, muito menos me inundar de algo tão invasivo.
Eu tento repetir mentalmente: calma, o sol vai aparecer, ele sempre volta... Tenha fé: deus há de mandar bom tempo! Amanhã é outro dia, com outra previsão...
Mas daqui a pouco essa tempestade tão familiar se aproxima novamente e eu me vejo completamente desprevenida...
Mas daqui a pouco essa tempestade tão familiar se aproxima novamente e eu me vejo completamente desprevenida...
12 de jun. de 2017
Sobre direção
Curvas, retas, atalhos, desvios, acostamento/afastamento... A vida é estrada.
Caminhos se cruzam e se desconectam o tempo todo.
Até onde vai? Em qual pista se manter? Seguir em frente ou parar?
Não há placas explicativas, sinalização, apenas a sua intuição.
Tempo bom, trânsito calmo é o que se espera. Todo o resto é poeira no caminho, reflexo no retrovisor do que ficou para trás.
Todos haveremos de seguir em frente hora ou outra, mesmo depois de algumas paradas.
Não escolher o medo como companhia de viagem é o que tenho aprendido. Também tenho me atentado um pouco mais para as despedidas.
Aquele momento de escolher direita ou esquerda e dizer adeus, acenando com a mão para fora da janela... estrada que segue!
Para onde? Isso eu descubro a cada pequeno metro iluminado pelos farois*. Um trecho de cada vez: é assim que se cruza longas distâncias.
No mais, estrada que segue, vento que sopra os cabelos e vida que não para.
Sabrina Davanzo
*Obrigada, Manu por me ensinar essa metáfora linda!
30 de out. de 2016
Amor-próprio: tem, mas acabou
De acordo com o dicionário,
amor-próprio é um “sentimento de
dignidade, estima ou respeito que cada qual tem por si mesmo”. Parece
uma coisa meio óbvia de se sentir, uma espécie de autodefesa que já vem
acoplada na gente ao nascermos, mas tenho percebido que ele não funciona de
forma tão simples assim.
Esse autoamor não entra em ação com tanta facilidade
e, em alguns casos, ele simplesmente inexiste quando mais precisamos dele. E
sim, ele é fundamental. Há casos de vida ou morte em que esse sentimento tão pessoal faz toda a diferença. Sua escassez pode nos manter presos à pessoas, histórias e coisas de uma forma quase doentia.
Sabe
aquela relação desgastada e vazia que você não vê mais futuro? Que o presente é
só dor e o passado já não faz mais sentido? Você ainda continua nela porque te
falta amor-próprio.
Sabe
aquela pessoa que só suga sua energia, que não te coloca para frente, que não te trata como você merece e vive te trocando por
qualquer outra opção? Você não consegue se desvincular e ir embora porque te falta esse olhar mais fraterno para si mesmo.
Sabe
aquele emprego que não te acrescenta, não te faz feliz e te deixa de mau humor, sem ânimo para
levantar e começar mais um dia? Você não tem coragem de colocar um fim nele
porque te falta esse cuidado contigo.
Apegos
desnecessários, medo de romper com a situação, aquela sensação de que talvez
você não seja merecedor de algo melhor, o famoso “é o que tem para hoje”. Se a
gente tivesse um tiquinho mais desse respeito por nós mesmos nada disso aconteceria
e a vida seria mais leve.
Soltar
as amarras requer uma dose enorme de coragem que só o autoamor pode nos
oferecer. Seria perfeito se pudéssemos encontrá-lo nas prateleiras dos
supermercados ou nos balcões das farmácias, mas acontece que ele está guardado mesmo
é dentro da gente. Debaixo de camadas e mais camadas de frustrações, inseguranças
e traumas, ele adormece, esperando nossa urgência de trazê-lo à tona.
Acredite:
mais cedo ou mais tarde, o momento de nos colocarmos em primeiro lugar e
recuperarmos a autoestima nos alcança. Ou isso ou morremos lentamente afogados
num desamor sem fim. Mas, como é da nossa natureza seguir em frente, ainda que
pela dor, uma hora a gente recobra o nosso valor e dá um basta naquilo que está
nos ferindo.
Mas, se
eu pudesse oferecer um conselho, seria: não espere esse momento crucial chegar.
Vá, aos poucos, munindo-se desse sentimento tão importante para tua paz de
espírito. Tenha-o aos montes em estoque, pois nunca se sabe quando vai precisar.
Faça
coisas para você, acolha com alegria seus momentos de solidão, leia coisas que
te inspirem, medite, ore, reze, faça uma atividade física, assista aos filmes e
séries que você tem vontade na sua própria companhia. Adote um animal, seja voluntário
em um orfanato, visite um asilo, gaste seu tempo com amigos e familiares que te
deixam confortável. Tudo isso ajuda a construir esse caminho de chegar até você
de uma forma muito profunda. Você passa a se conhecer, e, sendo íntimo de si
mesmo, jamais vai permitir que qualquer pessoa ou situação te faça mal.
Amar o
outro é uma sensação maravilhosa, mas amar a si mesmo é libertador e questão de
sobrevivência. Mais autoamor, por favor. Queira-se bem, admire-se, cuide-se.
Sempre em primeira pessoa e no presente. Quando você é seu melhor amigo, você
nunca está sozinho independente do lugar/situação em que se encontra.
24 de out. de 2016
Procura-se um amor que o meu cachorro goste
Eu tenho um cachorro chamado Nino. Nino foi adotado por mim
depois de uma vida de maus tratos e abandono nas ruas. Por conta disso, é
um cãozinho medroso, inseguro, que não permite que ninguém se aproxime dele.
Ele não é agressivo, não morde, não avança, apenas tenta se esconder e fugir o máximo
possível de qualquer contato.
Há pouco mais de um ano e meio estou solteira e nesse tempo
tenho conhecido muitos caras. Obviamente a maioria não passou de
encontros casuais em lugares impessoais, onde eu percebi, já de início, que não
havia nada de especial. Mas teve aqueles (únicos) com os quais eu senti uma
conexão diferente, uma afinidade maior, e por isso permiti que entrassem na minha vida.
Para esses eu abri a porta da minha casa, quis saber deles e
falei de mim sem máscaras, no conforto
do meu sofá, na intimidade da minha cama. Esses caras (talvez eles nem se
atentaram a isso) tiveram o prazer de conhecer o Nino.
Obviamente, Nino nunca os recebeu com festa. Nem uma abanadinha
de rabo sequer. Meu cachorro, como já disse, é um profundo conhecedor do
abandono e da falta, já sabe que não deve se entregar tão facilmente. Ao menor
contato que o cara tentava estabelecer, ele corria para debaixo da cama.
Vez ou outra, ele arriscava uma aproximação, com uma
distância segura, talvez só para se certificar de que a dona estava bem na
companhia de alguém que aparentava perigo. Nino não se rendeu às palavras
doces, aos chamados alegres de qualquer um. Sempre os encarou com desconfiança (eu deveria ter agido assim também?).
Esses poucos caras, aos quais eu permiti essa intimidade,
com o tempo, demonstraram não estar prontos para essa entrega. Por vários
motivos não conseguiram se envolver como eu me envolvi e, um a um, eu os vi
partir depois de compartilhar momentos especiais e uma sintonia relativamente rara
de encontrar. Deixei-os ir com a sensação de que mais uma vez eu tentei fazer
parte da vida de alguém e desejei que essa pessoa fizesse parte da minha sem
sucesso.
É triste confessar isso, mas essas experiências têm me
tornado um pouco como o Nino. Cada vez que quebro a cara, fico mais arredia, com
mais medo de me entregar (será que vale a pena passar por tudo
isso de novo?) e me decepcionar. Parece que esconder debaixo da cama é mais
seguro que ficar à vontade em cima dela. Acaba que a afetividade que recebo vai
me moldando. Como o Nino, que só teve experiências traumáticas, eu vou
guardando as cicatrizes desses não-amores, meias-entregas,
quase-relações.
Eu nunca vou deixar de acreditar no amor e no poder de uma
relação em que os dois estão na mesma sintonia, mas tem sido frustrante minhas
tentativas. Essa coisa de “não bateu”, “não é você, sou eu”, “não estou pronto
para isso”, “você é ótima, mas...” me obriga a entrar nesse jogo de
não-envolvimento, do “se ele não me chama, eu não chamo”, “vou sumir para ele sentir falta”, quando na
verdade eu quero ser presença, quero poder mandar mensagem na hora que eu
sentir vontade sem medo de não ser bem recebida. Quero encontrar segunda,
quarta, sábado e quem sabe domingo, se a nossa vontade for essa, sem qualquer
receio de parecer que estamos caminhando para algo mais sério ou perdendo tempo
enquanto poderíamos estar fazendo outra coisa, saindo com outras pessoas.
Definitivamente eu não quero ter que esconder o que sinto
para não assustar o outro.
Quero é poder ser eu mesma e acreditar na nossa entrega. Quero
abrir a porta da minha casa, a minha intimidade, para alguém que decida ficar
não só no sofá vendo filme, mas na minha vida. Quero alguém que tanto eu,
quanto o Nino, nos sintamos à vontade para enroscar as pernas, deitar no colo,
aninhar, sem medo de nos decepcionar.
Eu procuro um amor que goste de cachorro, mas que acima de
tudo goste de se envolver. Procuro alguém que o meu cachorro goste e que se permita gostar de mim.
23 de mai. de 2016
Oração
Que eu saiba ser leve.
Que eu carregue em mim a soma das minhas pequenas alegrias.
Que eu me inspire a ser melhor que ontem.
Que eu tenha olhos de ver o horizonte.
Que eu cante as canções que embalam corações.
Que eu me liberte dos grilhões imaginários da minha consciência.
Que eu abstraia o medo e a culpa da minha alma.
Que eu seja luz para minhas sombras.
Que meu sorriso se pareça com dias de sol.
Que eu não perca o encanto pela vida nem pelas pessoas.
Que eu acredite nos sentimentos alheios.
Que eu aceite o amor que mereço.
Que cada pensamento meu seja uma oração.
Que cada pausa seja uma meditação.
Que eu seja grata por tudo que atraio e afasto de mim.
Que eu me compreenda.
Que eu seja eu, sempre e cada vez mais.
Sabrina Davanzo
16 de mai. de 2016
Sobre se deixar levar
Vez em quando a vida nos prepara uma surpresa, nos apresenta
uma leveza e faz uma pausa em meio ao caos. São momentos raros que se revelam apenas para
aqueles que não desistiram de sonhar.
A vida, de repente, te convida a embarcar na próxima estação
para uma viagem que não estava nos planos por pura graça e se você, com medo,
não aceitar, ficará para sempre à margem do que poderia ter vivido.
Qualquer pequeno espaço de tempo em que você escapa da realidade
e tudo é possível vale a pena, é o que eu tenho aprendido.
Então, quando a vida lhe entregar as passagens, não hesite,
não importa se viagem pode ser curta e tem prazo para acabar, apenas tenha em
mente o quanto é maravilhosa a sensação de sair da sua rotina para uma
aventura.
Embarque, acomode-se e aproveite tudo o que está reservado a
você, esquecendo-se do depois. Lembre-se: só o agora é real. Viva-o com toda
intensidade, aproveite cada detalhe.
Sabe de uma coisa? É bem assim que nascem as histórias que merecem
ser contadas para sempre.
Eu já tenho a minha história. Superei meus medos, deixei
para trás as expectativas e abandonei a respostas prontas para ir ao encontro
dela. Foi uma grata surpresa e será, para sempre, uma doce lembrança para ser
repetida em conversas tarde da noite.
Em meio a tantos desencontros, a vida promove encontros que
duram o que têm de durar, nos colocando no exato lugar onde deveríamos estar.
Isto é o universo sendo perfeito e lhe dando uma chance. É como se ele dissesse:
é o seu momento. Aproveite!
Sabrina Davanzo
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