30 de mar. de 2010

Construção


Se queres conhecer o céu, primeiro constrói tuas asas.



Sabrina Davanzo

Amarela



Ela ama porque esta é a única maneira que conhece para se manter viva e conservar sua sanidade a cada vez que olha pela janela. Entrega-se às notas tristes de um violino distante porque estas a fazem crer que, no momento em que a lágrima cair, não há porque desesperar. Até a dor pode ser suave. Seu mantra é acordar todos os dias e pensar que em algum lugar alguém sorri, afinal amanhecer significa mais uma chance.
Ao invés de amarelinhas, costuma pular obstáculos. “Não pise fora da linha...”
E quem disse que ela quer pisar? E quem se arrisca a tentar?

Sabrina Davanzo

Abraço


O problema não era ele esperar. O problema era que quando ela chegava, o abraço não era forte o suficiente.


Sabrina Davanzo

Síndrome


Sua síndrome não era do pânico. Era do afeto. Ela só temia nao ser amada urgentemente.


Sabrina Davanzo

Só por hoje




Só por hoje quero imaginar que não existem fronteiras e que posso sair daqui agora mesmo e passar a tarde em Paris.
Só por hoje quero ter a certeza de que sei quem me tornei, de que sei quem eu sou.
Só por hoje quero aceitar que fiz as escolhas certas.
Só por hoje quero ver que todos nós somos perfeitos, sem nenhum defeito.
Só por hoje quero acreditar que as flores na janela nunca morrem e que amores e amigos vão estar sempre aqui quando eu precisar.
Só por hoje não quero enxergar essa realidade esmagadora e sentir a esperança.
Só por hoje quero fingir conhecer cada centímetro desse fio que se entrelaça às horas e forma a vida.
Só por hoje quero aceitar que não há nada além de nós neste universo e que minha busca incessante pode chegar ao fim.

Sabrina Davanzo


18 de mar. de 2010

Circus


Às vezes, é como se estivesse andando em círculos: as histórias se repetem, tudo soa familiar e já visto. Surda aos aplausos, já não tem mais emoção.
Precisa sair desse globo da morte que, apesar de emocionante, não muda. Precisa arriscar-se na corda bamba, no trapézio, alçar voos que não prometem um chão. Nem que passe por palhaça no picadeiro, tudo o que quer (e precisa) é fugir dessa mesmisse de girar, girar e não sair do lugar.

Sabrina Davanzo


12 de mar. de 2010

Horizonte


Tem horas que ela quer por que quer encontrar um horizonte para olhar.
Não é tão simples quanto parece. O horizonte nem sempre está visível à frente de quem o quer ver e por vezes é necessário antes mover montanhas, clarear o tempo para só então enxergá-lo. Ela que só consegue rodear em volta de si, nunca contemplou a tênue linha que separa o céu da terra. É no horizonte que mora a luz no fim do túnel, onde o sol nasce e se põe e onde os mistérios brincam de adivinhação.
É meio estranho viver sem ter um horizonte para olhar. É como se não tivesse para onde ir. Com pena dela, a rosa dos ventos até se ofereceu para lhe orientar, mas não adiantou. Porque no fundo, não é uma questão de levantar a cabeça e guiar-se e sim de abrir os olhos de verdade e aprender a observar.

Sabrina Davanzo


Casa Bolha


Vamos todos, cada um na sua, vivendo dentro de uma pequena bolha de sabão translúcida que nos dá uma falsa sensação de segurança, enquanto o vento nos leva para onde sua vontade deseja. E a gente parece gostar de tudo isso, do cheiro do sabão que faz cócegas no nariz. E a gente fica feliz em ver a vida refletida através de uma fina camada que a deixa mais ou menos colorida, às vezes até cor de arco-íris, de acordo com o reflexo do sol. Nem nos incomoda a falta de contato (não se pode passar de uma bolha a outra).
E lá se vão as bolhas inundando as ruas, as cidades, os países...
Só não pode acontecer da gente se deparar com algo ríspido ou pontiagudo que possa romper essa sublime barreira. Se isso acontecer, seremos imediatamente arremessados ao chão duro, seco e real.

Sabrina Davanzo


9 de mar. de 2010

Jardins distantes


Na janela, o potinho cheio de água com açúcar e florzinhas na ponta espera a visita do passarinho delicado.
E ele não vem. E ele não vem.
Isso é tudo o que eu tenho para oferecer e sei que é tudo o que ele ama: doces flores.
Aguardo sua visita enquanto vejo grandes gaviões sobrevoarem o meu teto.

Vem, beija-flor. Vem provar do meu amor.
E ele não vem. E ele não vem.
Isso é tudo o que eu podia fazer para ter o prazer de vê-lo pairar levemente diante dos meus olhos.
Vem, beija-flor. Vem encher meus dias de sentido.
E ele não vem. E ele não vem.
Desconfio que não goste de flores artificiais.
Perdoe-me, beija-flor. É que moro muito longe dos jardins... levaria uma eternidade para alcançá-los...


Sabrina Davanzo


2 de mar. de 2010

Passeio à cavalo marinho


Hoje saí para passear num cavalo marinho. Seus galopes desenfreados me levaram pelas águas geladas. Redemoinho. De repente, fica que nem estátua. Em nossa frente, lá vai um cardume de peixe espada. Quando volta a trotar, acabo escorregando por sua crina, rodopio igual a uma bailarina para no fundo do oceano deitar.
Eu inconsciente. Ele, cavalinho pequeno e bem fazejo, me dá (de leve) um beijo e pede a Posídon, o deus do mar, para vir me curar.
Abro os olhos apavorada, me agarro a seu corpinho pequeno e grito: me tire daqui, me leve à tona, preciso respirar.
Cavalo marinho me deixou na beira da praia e saiu à galope, levando meus sonhos em cada trote – sonhos que mal se igualavam às pequeninas ondas que vinham até a areia me espiar.

Sabrina Davanzo