27 de jan. de 2009

Quando me encontro



Às vezes, paro no meio do tempo e pergunto se sou deste mundo.
Horrível a sensação de me olhar e não me reconhecer.

Acho que essa vontade de tentar contato se chama ausência.
Não é sempre que ela está presente. Só quando falta eu mesma. Só quando entre tantos, também não me encontro. O que mora dentro de mim tem vida própria, e dia sim, dia não, decide me amar. É quando me sinto bem. Quando um sorriso me cai como uma luva.
Estou aprendendo a lidar com essa carência de mim mesma: finjo que estou.
Finjindo vou sendo. E ser é existir de verdade.

Sabrina Davanzo


22 de jan. de 2009

Vai no peso?





Comparo a vida a uma grande feira. Centenas de bancadas oferecendo coisas ora frescas, ora passadas.. ora variadas, ora sem muitas opções. 
Tudo que se encontra lá pode ser levado no peso ou na unidade.  Quem leva na unidade encara a vida na medida certa. É sempre otimista, aprende com os erros, soma conhecimento. 

Cada momento, oportunidade, acontecimento é único, por isso, tão especial. 
Quem compra no quilo sempre quer ver o real valor das coisas. Entristece fácil porque cada decepção ou problema pode ser mais uma grama. E uma grama pesa. A balança sai do lugar, deita mais um pouco. Desequilíbrio.  
Concordo que, algumas vezes, é preciso sim se fazer o uso do medidor. As palavras, por exemplo, carecem ser ditas com o peso adequado.  
O que não se deve é viver em função das variações da balança. Achar que qualquer contra-tempo ou dificuldade é mais um peso, quando na verdade pode ser encarada como mais uma fase, uma experiência.  
Temos que ter cuidado com o peso que colocamos na sacolinha da vida. Não podemos esquecer que somos nós mesmos que a carregaremos. 


Sabrina Davanzo 



21 de jan. de 2009

Pronto Atendimento



Existe uma urgência dentro de mim.
Alguma coisa muito viva clama por mais dentro das minhas veias.
Não. Não sou viciada em entorpecentes ou alucinógenos.
Meu vício é ânsia por acontecer.
Minha urgência é porta de pronto-socorro.
Entra e sai um grito, um soco no estômago, um arranhão fundo, um corte superficial.
Minha auto-medicina me intui. Posso fazer um curativo de calma, uma tala que sustenta angústias. Aplicar uma ampola de tempo para aliviar a dor.
prefiro esperar pelo atendimento especializado.
No banco gelado da ausência outros acidentados cruzam meu caminho, reparam em minhas feridas. Não os olhos. Meu sofrimento me basta.
A sirene toca. Emergência. Alguém pior que eu chega apoiado em uma desculpa (muleta). Hiii..Vão passá-lo na minha frente.
Não. É hora de trocar plantão. Trocar o dia, a noite.
Pergunto a atendente:
"Demora muito para que eu seja atendida? Não aguento mais esperar!"

Sabrina Davanzo



20 de jan. de 2009

festinha cancelada



Preparei, em meu coração,
uma festa em sua homenagem.
Quanta bobagem! você resmungou.
Nosso amor é algo simples e normal
como a vida de qualquer casal.

Dispensei o moço do balões

dando uma desculpa qualquer

rapaz, me perdoe...
ligo outro dia quando outra oportunidade tiver.

Apaguei as luzes do salão

desliguei a música ambiente
tirei meu baton
e no portão passei a corrente.

Ao sair, coloquei um cartaz:

Desculpe, amigos
a festa foi cancelada. Ele não quer fazer barulho
prefere que eu ame calada.


Sabrina Davanzo


19 de jan. de 2009

Fragmentos II


E tinha lá suas vontades.

Vontade de tocar corações, consolar os que sofrem, amparar.
Queria enxugar as lágrimas do mundo.
Não podia. Era só um ser-humano.
Não era uma questão de desistência.. mas de compreensão.
Contentou-se com aqueles que cabiam em seus abraços.
E os amou.

Sabrina Davanzo

Um rio em mim



Minha alma é feito um rio de águas turvas. Não tenho intimidade com as pedras que lavo. Não sei dizer onde é seguro nadar. Certeza mesmo só tenho de que também para essas duas coisas fui criada.
Não conheço minhas curvas, não sei o que me espera na próxima queda. Sempre me levanto e sigo. Sem saber como.

Não pergunto sobre direção a nenhuma de minhas margens, companheiras silenciosas de
minha correnteza.
Ora estou calma. Ora me revolto contra a natureza.

Solitária, já procurei companhia naqueles que em mim se banham e se encontram felizes.
Como um canto de sereia, faço tudo para cativar, enfeitiçar.
De alguns consigo o corpo, a presença. Mas a alma, não sei.. acho que nunca ousei tocar. À primeira vista, sou fria. Tenho o sol para me aquecer. Conto com a lua para me iluminar.
Quem me observa aprende a confiar.
Sou um caminho, mesmo que sobre as águas não se possa caminhar.
Não paro. Minha essência é uma força sobrenatural.

Já me senti vazia.. mas então vem a chuva me fazer companhia.

Chuva... feita da mesma matéria que eu, imagem e semelhança. Gotas de mim mesma que buscaram seu destino: a elevação.
E sigo. Sem saber como. Um dia (também não sei quando) encontrarei o mar.

Sabrina Davanzo

16 de jan. de 2009

Poeminha da Troca


Em dias quentes tem as mãos frias
se sente oca, vazia.
Em dias de chuva
com as mãos quentes dentro da luva
se sente feita de amor
rodeada de companhia e flor.

Tem mania de culpar
o desequilíbrio térmico
por suas variações
esquecendo que é dentro
dela que acontecem as emoções.

A causa é antes de tudo
o desconforto embaixo da pele
que só cabe a ela controlar.
incerto, sem alegria, quieto.
é assim que descreve seus dias
independente do tempo
acima de um teto.

Tentou um dia trocar de lugar com um
passarinho.
pediu a ele suas asas
e lhe prometeu uma coroa de espinhos.
A ave foi ligeira em sua resposta:
Cada um com sua genética.
Cada coisa em seu lugar.
Fique você com sua angústia
pois a mim, só cabe voar.

Sabrina Davanzo


Fragmentos


A vontade de deixar tudo é proporcional

a força que existe dentro de você para seguir em frente.
A escolha é sua.


Admiro aqueles que são fortes e lutam contra
seus monstros, suas vontades e medos.
A maior batalha que enfrentamos na vida
é contra nós mesmos.

Sabrina Davanzo

11 de jan. de 2009

Para onde vão as ideias?




Em casa, à noite, ela tinha ideias geniais. Mas, pela manhã, ao despertar, elas já não estavam mais ali. Durante a madrugada, partiam silenciosamente, levando as soluções dos problemas com elas. Passou a dormir com um caderninho do lado, para que nenhuma lhe escapasse. Esperava as ideias virem frescas e quando elas se preparavam para ir embora, a menina as prendia para sempre em uma folha de papel. Tornava-as escravas de sua vontade, escolhendo a hora de colocá-las em prática. E as ideias assim aceitavam. Eram fáceis de domesticar.
Desde que descobriu essa forma de apoderar-se para sempre de seus lampejos, punha-se a pensar para onde iam as idéias. Essas que não se prendem e andam mansas na noite que se faz dia.Teriam elas um lugar para se armazenar? A fantástica terra das ideias?

Pensou nas coincidências de quando alguém via uma ideia realizada pelo outro e dizia: eu já havia pensando nisso antes... Nem imaginava que talvez aquele pensamento realmente o tivesse visitado e, desperdiçado, foi ligeiro para outro e outro e outro, até que encontrasse sua realização. Afinal, são para se tornarem reais que as ideias (as boas.. ela nem se permitia pensar nas más) existem.
Quem tem o domínio de prender ideias o faz de tal forma que se pode dizer: mas é a cara de fulano pensar algo assim. Apodera-se delas imprimindo seu estilo. Tem também, e em grande número, os desavisados que não sabem que idéias foram feitas para se prender, amarrar no caderno de anotações, e executa-las o mais rápido possível. Estão sempre a dizer por aí: eu tive uma ideia.. mas agora não me lembro mais.. eu tinha pensado...
As idéias são oportunidades de asas que pousam em todos. São inspirações que nos pegam desprevenidos, só para testarem nossa capacidade de arriscar, de correr atrás para que elas não se percam. Ela já havia aprendido a fazer uso das suas. Não queria que outros se apossassem delas. Enquanto colocava ideias no papel e as tornava realidade, ela vivia. Se aventurava seguindo suas intuições.

Sabrina Davanzo


9 de jan. de 2009

Atrás da casa



Tenho, dentro de mim, um quintal cheio de árvore
cada conquista é um fruto
cada perda, um luto.
Nesse quintal me permito ser criança
cada movimento é uma dança
cada vez que a música para, cansa.
Esse quintal chamo de coração
teimoso, cada hora bate de um jeito:
na alegria bate manso,
na tristeza, acelera no peito.

Sabrina Davanzo



8 de jan. de 2009

Esperança


Existe, dentro de todos nós, um mato rasteiro e verdinho

que cresce na borda do coração.
Não é daninho.
É pois a esperança,
aquela que por último se cansa,
em sua mais pura expressão.

Sabrina Davanzo

6 de jan. de 2009

Desassossego


Agora ela se sentia plena.
Caminhava à beira da praia e respirava o ar mareado que vinha do horizonte infinito.
O sol lhe emprestava uma cor dourada encobrindo-lhe a palidez. O vento fazia alegria em seus cabelos. Era a perfeição da coisas divinas. Lembrou-se de agradecer a Deus. Sim, ela havia feito as pazes com ele. Já podia confiar em suas decisões. “A vida é uma grande decepção” dizia ela antes da reconciliação.
Perdera um grande amor. O maior deles: o amor próprio. Esse foi o primeiro passo para as outras grandes perdas: amigos, trabalho, apetite.
A família se preocupou: “tão jovem, tão bonita... qual a razão de tanta tristeza?”
Levaram-na ao médico. Stress, estafa, deprimida. Indicou terapia, remédios para dormir, acalmar, relaxar.
Não. Não era o que ela procurava. Tudo o que ela menos desejava era a calma dos dias, o sono silencioso das noites. Ela queria experimentar a intensa vontade de estar viva.
Sempre aqueles mesmos hábitos, cansava.
Logo quando ela se inquietava, uma tarja preta queria lhe trazer de volta. Pequenas pílulas de falsa realidade: “CONFORME-SE COM SUA VIDA E ESPERE PELA MORTE”. Não se contentaria com essa sentença.
Deixou as pílulas de lado, parou com a terapia. Até acreditava na eficácia do tratamento, mas para ela, ter apenas um dia da semana, apenas uma hora desse dia para se esvair e voltar ao normal em seguida, era muito pouco.
Decidiu tentar sozinha.
Comentavam que o isolamento era pior. “Poderia acabar cometendo... você sabe...”.
Mas ela já havia chegado ao limite de sua entrega. Não seria capaz de se acomodar ao fundo do poço. Sabia que mais cedo ou mais tarde teria de se erguer.
Procurou a saída com suas próprias mãos. Não esperou pela corda. Talvez ela nunca viesse.
Voltou exausta. Marcada pelas dores de se recuperar sem uma mão amiga estendida.
Visitou a escuridão da alma, os monstros criados e alimentados por ela mesma e só então entendeu a magnitude do existir.
Quis ver o mar. De alguma forma, ele era a representação do que ela viveu.
O mar, incomodado pela força invisível do vento, forma a revolta das ondas que avançam pesadamente em direção a areia fina e delicada. Atravessam quilômetros para encontrar a paz de um porto seguro.
E então, coragem! Começa tudo de novo.
Assim como o mar, a vida é um eterno desassossego. Só agora ela compreendia.

Sabrina Davanzo